Carta de despedida do Padre Eduardo Braga




Curitiba, Fevereiro de 2018
“Como irei retribuir ao Senhor por tudo aquilo que Ele me fez?” (Salmo 115) 


Amados irmãos e irmãs em Cristo, Ex-paroquianos e Amigos que a vida me deu,
Graça e Paz!


Há 14 anos, quando me entreguei ao Senhor em uma pequenina Igreja em Roma, esta foi a Palavra escolhida para o meu diaconato. E como não continuar agradecendo? Um menino que veio de uma família não-católica de São Gonçalo ter experimentado tanta plenitude e abundância da vida humana e da comunhão com Deus por meio do Seu Espírito...Como não agradecer? Como não continuar agradecendo?






Amados, recebi de Deus, pais perfeitos e irmão exemplar! Estive no Seminário de Niterói e do Rio de Janeiro, referências naquele tempo para o Brasil. Estudei em Roma, onde vivi muito perto de João Paulo II. Conheci pessoalmente o Cardeal Ratzinger, com o qual tive uma audiência vinte dias antes de ser tornar Bento XVI. Por causa do processo de Elena Guerra (Deus me usou para que ela fosse redescoberta na Igreja) falei com o Papa Francisco. Quantas graças!





Tive ainda inúmeras e imerecidas bênçãos! Celebrei nos lugares mais santos da História do Cristianismo! Visitei e peregrinei aos Santuários Marianos. Fiz o caminho de Santiago! Meu retiro de ordenação diaconal foi em Ars, onde voltei peregrino numerosas vezes. Levei dezenas de grupos aos lugares santos! Conheci praticamente todos os fundadores das Novas Comunidades da Europa. Preguei em quatro continentes. Preguei em quase quarenta retiros para sacerdotes e seminaristas no Brasil e na América Latina. Conclui e entreguei o processo de canonização da Beata Elena Guerra, traduzindo dez de suas obras. Escrevi mais de dez livros e inúmeros artigos. Dei aula mais de dez anos para os seminaristas em Niterói, fui diretor espiritual do Seminário e confessor do Carmelo em Tanguá. Tive a graça de receber dezenas de seminaristas, acolher na minha casa a muitos que deixaram o seminário e a vida religiosa. Incentivei e acompanhei dezenas de jovens ao seminário e a conventos. Ajudei a RCC em tantas instâncias. 






olaborei com as Novas Comunidades. Juntamente com outros irmãos, fundamos a Fraternidade Sacerdotal do Cenáculo, hoje chamada de Obra do Cenáculo, e ainda que nunca tenha sido aprovada pela Igreja, tem seus frutos. E Deus sabe! Cheguei a exercer 11 funções que me foram confiadas pela Igreja. Participei do Conselho Presbiteral por dois mandatos, fui Vigário Episcopal e nomeado para o Colégio dos Consultores. Tive a graça de ter tido treze vigários, todos praticamente recém-ordenados. Preparei a ordenação e a primeira missa de tantos. Cuidar dos padres idosos e doentes também foi uma graça! E o que dizer das missões no Marajó? Como irei retribuir ao Senhor Deus?

Após uma passagem de um mês em Iguaba e quinze dias em Venda das Pedras, fui mandado para a Praça Cruzeiro! Ambos tínhamos um ano! Foi um casamento perfeito! Quantas capelas e comunidades que construímos juntos! Minha gratidão à Márcio e Jorginho! E nas pessoas de S. Josélio e S. Hermínio, Ana e Expedito, Tião do Doce e Jânio; eu agradeço a todo aquele povo santo que me ensinou a ser padre! Ali ficou o melhor de mim!!!

Que desafio ter estado à frente da Paróquia do Centro de Rio Bonito! Agradeço a Dom Alano, que como um pai muito presente, me ajudou a superar toda adversidade que passei nos primeiros meses! Não consigo enumerar tudo que vivemos e construímos juntos na Igreja e neste município abençoado! Obras corporais e espirituais! Construções humanas e divinas! Avivamento! Fomos palco de eventos arquidiocesanos e até nacionais. Quantos foram a Rio Bonito! E como Rio Bonito foi ao Brasil e ao mundo! Lembram quando o Papa Francisco disse nosso nome naquela audiência na Praça São Pedro? E o Núncio Apostólico? O Cardeal Dom Orani! Dom Azcona celebrando no Monte! Dezenas e dezenas de sacerdotes e missionários! Nosso Núcleo Social e os tapetes solidários! O Curados para Amar tão incompreendido dentro e fora da Paróquia... Tudo valeu a pena!
Como irei retribuir ao Senhor?





Quando fiz dez anos de padre pedi ao bispo um ano sabático. Com aquele evento da estafa que tive há seis anos, entendi que estava sofrendo a famosa síndrome de Burnout, caracterizada por um esgotamento físico e mental. O ADI em Belo Horizonte me ensinou que o limite era meu amigo. Recomeçamos a caminhada, e fui até onde pude, até onde minha humanidade permitiu. Agradeço muito a Dom José por tudo que fez por mim.



Antes mesmo de entregar a função de vigário episcopal comecei a pensar e repensar muitas coisas. Fui tomado por uma desmotivação muito grande. Comecei a pensar na Igreja que o Papa Francisco sonha. Concomitantemente comecei um processo pessoal de autoconhecimento, já que sempre havia desleixado a minha humanidade. Percebi a necessidade do autocuidado, a necessidade de uma sã individualidade, de uma vida mais 'normal'. Pensei até que estava começando a fazer antecipadamente a passagem do meio, ou seja, a famosa crise dos quarenta. Mais uma vez, a terapia do ADI me ajudou muito. 

Ao lado de tudo isso, veio uma real necessidade de estar mais próximo da minha família. Vieram depois muitos conflitos interiores e situações exteriores também. Foi uma época de bastante desgaste emocional ainda que eu não tenha dado a perceber. Somou-se a tudo isso outros vários fatores. Como entendo os padres que se suicidaram! Nunca, porém, deixei minha intimidade com Deus e minhas tarefas. Não passei pela crise de fé nem a crise com a instituição. Amor e Amar nunca foram problemas para mim!

Após meu segundo pedido, Dom José me concedeu o Ano Sabático antes que eu viesse a assumir qualquer outro trabalho pastoral, embora dentro de mim já não me via mais em nenhuma paróquia. Os motivos são muitos. Por ter sido antecipada, por apenas dez dias, a minha saída da Paróquia me trouxe pessoalmente certo desconforto por tanta imaginação e pressuposto. Por tantos meios, chegaram a mim tantas inverdades e absurdos. Foi uma surpresa e, ao mesmo tempo, a quebra do resto da ingenuidade que ainda possuía. Como recebi do Espírito Santo o dom de esquecer os pecados após as confissões, não imaginei que a maldade humana chegaria a tamanho extremo... Estão todos perdoados, leigos e irmãos.





Meu Ano em Marília foi muito proveitoso! Vivi entre uma Congregação Religiosa e o Santuário de São Judas Tadeu. Exerci ali meu ministério, ora com mais, ora com menos intensidade. Celebrei em muitas paróquias da Diocese, no Convento das Clarissas, atendia confissão na Casa de irmãs idosas, visitas em hospitais, exéquias e retiros. No segundo semestre estive em Missão nos Estados Unidos, Bolívia, Angola e Itália. Foi o tempo também que tive a graça de conhecer o nosso bispo auxiliar eleito, antes da sua sagração. Estávamos muito perto. Um sinal de Deus...


Em Setembro do ano passado fiz meu retiro de aniversário sacerdotal no Carmelo de Jacarépagua. Logo após fui para Curitiba onde passei a celebrar na Comunidade Betânia e na Unopar. Depois de muitos anos, tive a graça de passar o Natal e Ano Novo com minha família. Com muita disponibilidade aceitei do nosso bispo o pedido para passar um tempo de revitalização no Centro âncora também em Curitiba, de onde vos escrevo agora. E diante de todo este processo de autoconhecimento e resignificação, que tenho vivido nestes últimos anos, estou chegando a conclusão que não posso mais exercer as atividades sacerdotais. 

Com os psicólogos e sacerdotes vou entendendo que até poderia continuar e seria um excelente padre. Sou capaz de fazer as pessoas felizes; mas hoje não consigo mais me encontrar. Não tenho dúvida a respeito da minha vocação, mas não tenho as condições humanas que ela me exige hoje. Tenho também me sentido extremamente sozinho. Preciso de um endereço fixo e também de uma vida mais 'normal'. Meu amor pelas crianças me faz também começar a sonhar com filhos. Seja feita a Vontade de Deus!





Sei que é difícil para muitos de vocês entenderem, mas importante é que eu entenda e tenha paz neste momento. Foram muitos dias de lutas interiores. Noites e noites em diálogo com o Espírito Santo e minha consciência. Milhares de pensamentos. Um sofrimento quase que sobre-humano. Os profissionais me fizeram entender que por minha personalidade ser intensa, dificilmente serei flexível ou indiferente diante das situações em que me vejo cobrado uturas que jamais vão mudar. Diante de tudo isso, eu não quero ser padre pela metade, nem tão pouco ser uma pedra de tropeço para a Igreja no futuro. Tenho a consciência limpa de que também neste tempo dedicado ao ministério, não fiz mal algum a Igreja. Contudo, hoje, dia 3 de Fevereiro de 2018, estou pedindo ao nosso arcebispo a suspensão, ainda que temporária, do meu uso de ordem.


A minha essência e a minha pessoa não mudarão. Continuarei o mesmo. Exercerei o sacerdócio de outra forma (ainda que misteriosa). Ajudarei a Igreja de outra maneira. Ninguém e nada poderá tirar a minha comunhão com Deus, meu amor por vocês, meu amor pelos pobres e pela missão, o meu apostolado para com o Espírito, o meu amor e cuidado pelos sacerdotes.

Não há em mim frustação, revolta ou cansaço. Estou ótimo! Embora seja um momento difícil e diferente, é libertador. Há apenas gratidão! Haverá continuidade sem continuismo. Haverá missa sem consagração! Haverá benção sem rito! Haverá um ser humano mais completo. Respeitarei sempre meus irmãos padres que conseguiram e conseguem unir o cuidado de si com o cuidado do povo, sua identidade sacerdotal com sua individualidade, seus carismas com as exigências, normas eclesiásticas e hierárquicas. Vou buscar uma especialização para que no futuro possa também ajudar a aliviar o sofrimento da vida sacerdotal e consagrada.






Minha gratidão póstuma a Dom Carlos, minha renovada gratidão a Dom Alano. Meu amor e reconhecimento filial a Dom Alberto Taveira (que me ordenou diácono em Roma) e a Dom Orani pelas vezes que me acolheram e me tanto me amaram! Vou continuar trabalhando pelos padres!


Minha gratidão se estende a Dom Azcona pelo seu luminoso testemunho e amizade. Agradeço também a Dom Altieri e a Dom Wagner. Obrigado ao Monsenhor Jonas e aos meus irmãos da Canção Nova. Meu agradecimento a Doris e a toda Comunidade Bom Pastor, minha comunidade. Na pessoa de Kátia, minha mãe, e de Patti Mansfield (que tanto me ama e me atendeu) eu agradeço a toda a RCC Brasil. Renovo o meu compromisso de continuar trabalhando pela Cultura de Pentecostes! Padres que não exercem o ministério podem ajudar em muitas coisas...

Como esquecer de Ironi e Cléia? Só o céu sabe! Meu agradecimento a Renato e a Graziela por terem me ajudado neste tempo. Ao Fábio e a Simone, meus pais em Curitiba, minha gratidão eterna! Ao Rubens e a Gisele! A Lídia e Mauro, Yuri e Nara de São Paulo, a Humberto e Cristina, Sil e Sueli, Lilian e Edney, Diácono Miranda e Dayse. Na pessoa de vocês eu agradeço a todos que me amaram em Rio Bonito! Pensando em Adriana, agradeço a todos os funcionários-colaboradores.



Meus afilhados de Rio Bonito e São Gonçalo, meu amor e entendimento pela ausência. Aos meus irmãos e filhos da Obra, o Espírito vos assistirá! A Obra é do Senhor e nenhum de nós é protagonista insubstituível. Obrigado a Marlene e Gutinho pelo trabalho no IEEG. Obrigado a Lilian e a Hauana pelas Missões em Marajó. Essas realidades foram suscitadas por Deus e independem de mim e das nossas autoridades. Continuem vosso trabalho educacional e missionário!


Agradeço aqueles que estão me ajudando a fazer um lugar onde guardarei meus livros e minha poucas coisas. Será um espaço também para os irmãos padres que precisarem descansar lá no Sitio. Aquele Recanto continuará, ao menos enquanto eu viver, a ser um espaço para os sacerdotes que quiserem. O carisma dado por Deus não morre!

Termino dizendo que esta decisão é madura, rezada, discernida e livre. Responsabilizo-me por ela. Sei que não é fácil; mas minha confiança na Santíssima Providência é tremenda. Não estou tomando esta decisão por causa de ninguém e nem por problema nenhum. Não estou em crise, repito. Não se desesperem ao ler este livro (rs). Estejam bem, porque eu estou muito bem. Sei que a felicidade está no caminho e sei que a paz que sinto agora confirma esta decisão. E assim como fui plenamente feliz como exercendo o sacerdócio de Cristo continuarei sendo feliz daqui para frente.  Desculpem-me os irmãos que deixaram o ministério, quando eu internamente vos julguei. Amo-vos!  Por hora, pretendo ficar aqui no Sul. Foi a Providência que me trouxe!!!

Sei que não consegui expressar-me como gostaria. Não espero entendimento, nem mesmo aprovação. Preciso apenas que todos me respeitem e orem por mim! E por falar em orar... Nas pessoas de Dionéia e Uebert agradeço aos meus irmãos, amigos e pastores evangélicos. Agradeço também ao Doutor Carlos Alberto, meu médico de infância que me acompanhou em todos os momentos de discernimento. Aos meus pais que mais uma vez me abençoam. Possivelmente no próximo dia 20, estarei encerrando, por hora, o exercício do sublime ministério sacerdotal, no meu quarto, estarei celebrando minha Santa Missa de número 6577. Colocarei vocês todos ali na Patena. Unidos até o céu! Como irei retribuir ao meu Senhor?

Vosso pequeno amigo e irmão, servo do Espírito Santo,
Padre Dudu ou Dudu, como quiserem!